É a vida...


Pais brilhantes...

«A paciência e a dedicação dos pais aos filhos é qualquer coisa de extraordinário. Até a pessoa mais detestável tem qualquer coisa de aproveitável como pai ou mãe. Os pais, na sua relação com os filhos, melhoram sempre pelo menos um bocadinho. Ficam melhores pessoas. É a lei da selva. No limite, somos mesmo pessoas fantásticas, generosas, atenciosas, altruístas e bondosas. A paciência com que fazemos um número incrível de tarefas ao serviço dos nossos meninos sem um queixume é sobre-humana. Ensinamos tudo aos nossos filhos, condicionamos toda a nossa vida à sua existência, estabelecemos como prioridade protegê- -los e até morremos por eles se for mesmo preciso. Ou seja, somos uma espécie de super-homens em versão doméstica.

E não há maneira de fugir a isto. Quer queiramos quer não, é a nós que eles se dirigem quando lançam o grito de apelo: “Já acabei de fazer cocó!” Somos nós, os pais, que temos o dever de lhes ensinar a limpar o rabo, a apertar os sapatos, a pôr o cinto de segurança, a falar, a vestir, a despir, a andar, a comer, a estudar e até a pensar. É uma vida nisto. São anos e anos em que a nossa prioridade são outras pessoas, outras tarefas e outros deveres que não têm nada a ver com o nosso bem-estar. Antes pelo contrário: nunca mais se dorme ou se lê um livro da mesma maneira, ou seja, de seguida.

Dizem que é esta a obrigação dos pais: viver para os filhos. Por isso não se queixe. É assim e pronto. Os pais – se quiseram ser pais – que se aguentem à bomboca: ninguém disse que era fácil. E há até quem vá mais longe e responsabilize os pais pelos erros dos filhos, fazendo jus à famosa teoria segundo a qual “metem-se a ter a filhos e depois não os sabem educar: mais vale não os terem”. Uma injustiça: nós não sabemos se somos bons ou maus pais e se os nossos filhos são asneirentos ou não antes de eles nascerem… E mesmo assim só passados uns aninhos é que as feras se revelam. Não se pode fazer um plano de negócios de filhos. Não existe folha de Excel própria para isto.

Mas nada disto é reconhecido: a verdade é que vivemos num mundo onde não há uma palavra para os pais. Onde não há lugar para um afecto, um reconhecimento, um gesto de apoio aos pais. Nada. Nós, pais, somos sistematicamente abandonados, desencorajados, julgados e sujeitos à sorte do “tipo” de filho que nos calha na rifa. Nada do resto, o esforço e a dedicação, são motivos de glória. São uma mera obrigação, como se estivéssemos a falar das funções básicas de um estado. Com a diferença de que nós, pais, ao contrário do país, não podemos falir. Não há plano de resgate que nos acuda.

Até que ficamos velhinhos. E nesse dia, em que precisamos de alguém que nos mude a fralda, que nos ajude a vestir, a despir, a falar, a ouvir, a andar, a comer, a pôr o cinto de segurança, a fazer a cama, a atar os sapatos, os filhos estão invariavelmente “a tratar da vida deles”. É assim, é a vida. Na selva também é assim.»

Inês Teotónio Pereira, in "I"

Não acrescento mais nada pois está tudo dito!


Comentários

  1. Subscrevo inteiramente...e só falta aí o papel dos avós, uns a tempo inteiro e outros apenas em SOS como eu, porque sim...onde se repete a lista da educação e compreendo perfeitamente que quando velhos não os possam ter em casa e optem por um lar...e é o recado que vou deixando...quero ir para um lar mesmo espelunca...mas jamais ficar a sobrecarregar a vida dos filhos que cada vez mais e no período que atravessamos é bem pior que "uma selva".

    Os pais amam sempre os filhos e estes quando enveredam por caminhos tortuosos versus criminais é triste vez uma condenação aos pais e não entendem que crescem e são donos de si próprios...daí eu compreender "o amor de uma mãe que chora e de um pai que chora mas trava mais as lágrimas" ao ver um filho por exemplo "no corredor da morte, em julgamento, numa cela".

    Gostei muito deste artigo e obrigado pela partilha!

    Beijos

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  2. Muitas vezes tenho ouvido: Uma mãe é para cem filhos mas um filho não é para uma mãe.”

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  3. Amigo, como já deve ter percebido não sou grande apreciador da escrita de Inês mas, reconheço tratar-se de uma pessoa que escreve bem. Este texto é um dos que me suscita um apreço para além da mádia.
    Abraço

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  4. "não têm nada a ver com o nosso bem-estar".
    Com esta parte não concordo nada, Ricardo.
    Tem tudo a ver com o meu bem-estar o tempo que passo com as minhas filhas, o tempo que lhes dedico.
    Aquele abraço

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